“Arquitetura para os pobres não precisa ser uma arquitetura pobre”

Li esse artigo e o achei muito interessante. Trago-o na íntegra para os leitores do Arquitete suas Ideias.

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Foto: Tetris apartments. Blocos de apartamentos do tipo social, vendidos para o Fundo esloveno de Habitação. Foi desenvolvido um edifício de 4 andares, 58 metros de comprimento e 15 de largura

O título do artigo de hoje tem como base o depoimento do Arquiteto César Dorfmann: “Precisamos esquecer a ideia de que arquitetura para pobre é arquitetura pobre. Tem que ser a mesma arquitetura digna. O espaço público é tão importante quanto às edificações.”

Na mesma linha de pensamento, o saudoso arquiteto Oscar Niemeyer costumava dizer em suas entrevistas: “Quando me pedem um prédio público, por exemplo, eu procuro fazer bonito, diferente, que crie surpresa. Porque eu sei que os mais pobres não vão usufruir nada. Mas eles podem parar, ter um momento assim de prazer, de surpresa, ver uma coisa nova. É o lado assim que a arquitetura pode ser útil. O resto, quando ela tiver um programa humano, social, aí ela vai cumprir seu destino.”

Com o mesmo princípio, o arquiteto Alejandro Aravena, um chileno de 45 anos, formado pela Universidade Católica do Chile e casado com uma brasileira, jurado do Pritzker, o prêmio de arquitetura mais prestigiado do mundo, Aravena esteve em São Paulo para participar do seminário Arq.Futuro, que discutiu alternativas para as grandes cidades. Os projetos de habitação social são criticados por ele por fornecer casas pequenas e malfeitas às pessoas. Diante dessa crítica, o senso comum sugere que casas de melhor qualidade deveriam ser maiores e com melhor acabamento. Mas fazer isso seria responder à questão errada. Famílias têm composições e necessidades muito diversas. Alguns lares têm crianças, outros idosos. Em muitos há pessoas trabalhando em casa. Não adianta tentar se adaptar a isso.

Segundo Aravena : “A política pública deveria cuidar daquilo que um indivíduo não consegue por conta própria. Ou seja, permitir que a iniciativa dos próprios cidadãos floresça. Essa é uma abordagem bem pragmática, não tem nada de romântica ou hippie. Nas próximas duas décadas, teremos de construir em média, por semana, uma cidade de 1 milhão de pessoas, com casas de US$ 10 mil por família. Isso somente será possível se formarmos parcerias entre as grandes forças: o capital do mercado privado, a coordenação dos Estados e a capacidade de construir dos cidadãos. Precisaremos do conhecimento dos melhores profissionais disponíveis em todos os campos,de arquitetos , de engenheiros a trabalhadores sociais. Precisaremos do poder da síntese do design”.

Concluindo, Aravena completa: ”É possível construir casas de 40 metros quadrados que podem ser expandidas até 80 metros quadrados, um espaço considerado bom para famílias de classe média. Com os primeiros 50% de todas as casas iguais, podemos otimizar gastos com materiais e métodos de construção. É melhor ter metade de uma casa boa em vez de uma casa pequena, finalizada e mal localizada. Depois, a família pode expandir a casa e aprimorar seu acabamento por conta própria. O termo“puxadinho” é pejorativo e lembra expansões arriscadas, feitas sem meios suficientes. A expansão deve acontecer graças ao desenho arquitetônico, não apesar dele. Para isso, o projeto precisa prever a expansão do imóvel sem a necessidade de mudanças estruturais. Apenas a anexação de espaços”.

Outro papel do poder público é garantir boa localização, esta garantia deve ser atribuição do Estado. As pessoas vêm às cidades para tirar vantagem das oportunidades que elas concentram. Se estiverem localizadas na periferia, longe das oportunidades, cria-se um problema social, político e econômico. Além disso, todos nós, ao comprar uma casa, desejamos que ela valorizasse com o tempo. Por que o dono de uma casa popular pensaria diferente? Habitações bem localizadas ganham valor com o tempo. Deixam de ser somente um abrigo e viram ferramentas para combater a pobreza.

Segundo a pesquisadora Maria Ozanira Silva e Silva, autora do livro “Política Habitacional: verso e reverso”: “A habitação não pode ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos…”. Podemos assim concluir que a habitação de interesse social não é só quatro paredes. As paredes servem como endereço e ponto de referência, estrutura familiar, aconchego, mas a luta por moradia envolve outras necessidades como o emprego para manter a casa, educação para os nossos filhos, saúde, lazer, transporte. Sem isso, só a casa não tem sentido. A política habitacional tem que ser pensada também levando em conta questões mais humanas, como a questão da renda.

Moradia adequada é um lugar na cidade, um ponto a partir do qual se tem acesso à condições dignas, emprego, comércio, equipamentos sociais, a um espaço público de qualidade, à cultura. Vai além do abastecimento de água, luz, pavimentação, sistema de esgoto, que, claro, também são necessários.

Os espaços de uso comunitário devem constar nos itens de qualquer programa habitacional com o mesmo nível de importância dado a unidade habitacional ou à Infra estrutura. Uma política habitacional correta , deve ,não somente produzir casas, mas ter como meta a construção da cidade como um todo (serviços e equipamentos públicos), abrindo e pavimentando ruas, construindo redes de água, esgoto e drenagem, creches, praças áreas de lazer e quadras poliesportivas, preservando os fundos de vale, contendo e reflorestando encostas, dando condições de acessibilidade a todos.

A função primordial da habitação é a de abrigo. Como obra arquitetônica, a função de abrigar não é sua única nem a principal função da habitação, a habitação é uma necessidade básica e uma aspiração do ser humano. A casa própria, juntamente com a alimentação e o vestuário é o principal investimento para a constituição de um patrimônio, além de ligar-se, subjetivamente, ao sucesso econômico e a uma posição social mais elevada. A aquisição da habitação faz parte do conjunto de aspirações principais de uma parcela significativa da população brasileira.

A habitação desempenha três funções diversas: social, ambiental e econômica. Como função social, tem de abrigar a família e é um dos fatores do seu desenvolvimento. A habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após as jornadas de trabalho, acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades fisiológicas e convívio social. Assim, entende-se que a habitação deve atender os princípios básicos de habitabilidade, segurança e salubridade.

Na função ambiental, a inserção no ambiente urbano é fundamental para que estejam assegurados os princípios básicos de infra-estrutura, saúde, educação, transportes, trabalho, lazer etc., além de determinar o impacto destas estruturas sobre os recursos naturais disponíveis. Além de ser o cenário das tarefas domésticas, a habitação é o espaço no qual muitas vezes ocorrem, em determinadas situações, atividades de trabalho, como pequenos negócios. Neste sentido, as condições de vida, de moradia e de trabalho da população estão estreitamente vinculadas ao processo de desenvolvimento.

 Já a função econômica da moradia é inquestionável: sua produção oferece novas oportunidades de geração de emprego e renda, mobiliza vários setores da economia local e influencia os mercados imobiliários e de bens e serviços. A construção da habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção civil.

Toda população tem o direito à moradia, cumpre aos governos formular políticas públicas nesta área, propiciando habitações dignas, com recursos tecnológicos de última geração, expandindo a qualidade de vida ofertada à população além das quatro paredes.

Texto de Garibaldi Rizzo, arquiteto e urbanista. Gerente de Políticas Habitacionais da Secretaria de Estado das Cidades. Texto extraído do Diário da Manhã.

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16 responses to ““Arquitetura para os pobres não precisa ser uma arquitetura pobre”

    • Eu não sou arquitecta mas tenho formação na área de construção civil, na minha opinião hoje os profissionais da construção civil e principalmente os arquitectos cada vez mais estão preparados para fazerem projectos funcionais, que tirem vantagens das posição climatéricas das regiões onde vai ser instalado o projecto, os materiais para a construção civil cada vez mais tem uma vertente ecológica.

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    • Oi Analice, tudo bem?
      Olha, não há respostas fáceis para seu questionamento. Com certeza ter uma educação de qualidade no Brasil custa caro. Infelizmente até mesmo nas universidades públicas só entram aqueles que conseguem estudar e tem apoio para isso. As cotas são uma medida paliativa para o problema que eu acredito que só será resolvido quando houver grandes investimentos em educação básica para todos. A única coisa que pode mudar um país é uma ótima educação. A partir disso todos podem, com as próprias pernas, buscar seu lugar ao sol.
      Os arquitetos devem buscar as melhores maneiras, mesmo com pouco capital, de construir lares para as pessoas. Hoje no programa Minha casa Minha vida, vejo pessoas construindo casas somente por construir, sem pensar no uso ou nas pessoas que que irão morar nessas residências. Devemos pensar em materiais alternativos, formas de poupar energia e diversos outros aspectos para que as pessoas tenham dignidade e um bem que dure para a vida toda.
      Obrigado pelo seu comentário!

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  1. Pingback: ARQUITETURA PARA OS POBRES NÃO PRECISASER UMA ARQUITETURA POBRE | Enio Padilha·

  2. Eu quero ser arquiteto. Só que não sei por onde começar e os custo são muito caros sou muito estudioso e tenho determinação em fazer arquitetura eu desenho muito bem aprendi sozinho sem curso algum. Mas bem eu so estou postando este comentário por que quero uma oportunidade neste mercado se alguem estiver interesado em me ajudar acessa o meu facebook
    Sergio.sergioantunesseverino@facebook.com

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    • Olá Sergio tudo bem? Aqui em Portugal há facilidade para estudar Arquitetura, penso não ser dificil entra cá numa universidade, procure junto ao Consulado do Brasil quais os apoios para você vir estudar para cá, sei que há apoios. Boa sorte.

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  3. Maravilhoso texto! Faço Arquitetura e Urbanismo na UFS e atualmente estou fazendo a disciplina de TCC com o tema de HABITAÇÃO POPULAR SUSTENTÁVEL, sem sombra de dúvida este artigo me auxiliará bastante em minhas pesquisas! Meus parabéns ao autor!!

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  4. Analice, tenho uma renda percapta na minha casa que gira entorno de R$800,00, curso arquitetura em uma universidade particular (PUCPR), que tem um custo altíssimo, porém, estou correndo atrás do que eu quero pro meu futuro……investigue sobre bolsas, financiamentos, e tudo o mais que possa te beneficiar para que VC possa atingir suas pretensões só desta maneira VC vai atingir seus objetivos…..lembre-se que investir em VC mesmo nunca é demais…..

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  5. Texto sensacional…simples e direto…diz tudo…mas a dificuldade continua na articulação dessa idéia consolidada à prática política e administrativa do campo profissional e da gestão pública … É dever de todos arquitetos se envolver na questão da cidade para todos…do direito à cidade … da cidade para pessoas…abs!

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  6. Hiroshi, adorei o seu texto!
    Ele é tão bom, tão importante, que tomei a liberdade de publicá-lo na fanpage do meu blog no Facebook (indicando a fonte, é claro).
    Sou arquiteta e acho que precisamos divulgar cada vez mais a importância da nossa atuação não só na construção de casas, mas sobretudo no resultado que as casas que construimos têm na cidade.
    Caso queira dar uma olhada no meu blog o endereço é: http://www.dicadaarquiteta.com.br.
    Ele ainda é um “bebê”, trabalho sozinha na produção de conteúdos e estou ainda aprendendo sobre a blogosfera.
    Caso tenha alguma crítica a fazer, ou sugestão a dar, elas serão super bem vindas e porque não, importantes.
    Um abraço.
    Elyzia

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    • Obrigado Elyzia! E você pode sim divulgar o que achar interessante que encontrar no Blog.
      Produzir conteúdo sozinha não é fácil né, acredite eu sei muito bem como é isso.
      Dei uma olhada no seu blog e achei bem legal, parabéns.
      Continue assim e qualquer dúvida é só entrar em contato!
      Abraço!

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  7. Achei o texto interessante. Mas tem um ponto da questão, que é a questão da propriedade, que é algo muito controverso ainda. Uma professora minha uma vez disse algo interessante “uma coisa é habitação digna, outra coisa é casa própria”, ela citava termos como “aluguel social” etc. Esse é um ponto interessante pot dois motivos: 1. o estabelecimento da propriedade de um imóvel de qualidade, com seus entornos bem servidos etc. geram aumento do valor deste, o que pode ocorrer então é que a família o venda e vá pra outra área (muitas vezes pior). 2. Com um aluguel social (valor menor que o praticado, acessível), imóveis sociais poderiam pertencer ao Estado e eles reservariam sua condição de apoio social e, melhorando de vida, a família poderia deixar o imóvel se o quisesse fazer. A “casa própria” como “desejo do brasileiro” poderia se aproximar do “sonho do carro zero”, que é tão fomentado mas é de uma “positividade” questionável quando falamos de uma cidade sustentável (ou pelo menos suportável).

    (A questão do aluguel social também pode sofrer de problemas “de mercatilização”. Talvez seja só um pouco mais resistente. E isso não é uma bandeira contra as relações de mercado no ambiente urbano, apenas um questionamento sobre a aplicação das mesmas sobre imóveis pagos pelo Estado.)

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  8. É claro que ele deixou obras maravilhosas de se ver! Ele foi um escultor! Mas, com toda a sua influencia, poderia ter projetado obras populares dignas e lutado por esta causa, ja que se dizia comunista.
    Como fez tão ricamente o nosso saudoso Lelé, que para mim, foi um cientista da arquitetura, estudava os mínimos detalhes e nos deixou um exemplo de como fazer arquitetura!

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  9. Muito bom o texto! Venho fazendo isso a mais de 6 anos, integrei a cozinha com a área de serviço formando o primeiro Espaço Gourmet para Casas Populares de maneira simples e objetiva e econômica através de uma única porta de correr de alumínio em lugar de porta e janela. Enfrentei dificuldades enormes em relação à resistência da mão de obra e, por incrível, de alguns compradores que entraram em crise existencial por não se aceitarem como “ricos” uma vez que suas casas estão semelhante à de seus patrões, que por fim quase descaracterizaram o projeto em pro do simples “popular”. Porém despertei em outros essa consciência e estes aprimoraram estes imóveis com técnica se inteligência ao final me enviaram fotos do resultado felizes da vida repletos de parentes e amigos interessados em imóveis iguais. Fatos esses que me levaram a intensificar mais o avançado em tecnologias que diminuam os custos, tempo e erros com o objetivo de dar acesso a camadas cada vez menos favorecidas em rendas. Tem dado certo sim: http://www.inlocoformas.com http://www.muroprontodecorado.com.br e por fim o caminho consciente para quem compra e vende, imóveis financiados (por intermédio da renda) http://www.imoveisfinanciados.com haja vista que o cume deste processo encontra se na venda dos imóveis…

    Completaria, tão somente, que a Estética (teoria da forma) corresponde/compreende a evolução da humanidade, helênica na Grécia tem o melhor exemplo, pois se assim não o fosse ainda seguíramos o design das cavernas com suas decorações rupestres sem divisões de cômodos para desespero de Freud! Não vou omitir que me sentia sozinho ao indagar que imóveis destinados a Rendas insuficientes implicariam em insuciencia de rico pensamentos. Obrigado! Abraço!

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